Com 12,70 metros, o Rio Preto atingiu novo nível mínimo histórico nesta quinta-feira (26). Sua prestação ficou inferior de 13 metros pela primeira vez desde 1902, quando começaram as medições. As imagens impressionam: partes que costumam permanecer cobertas pelo leito do rio estão tomadas por bancos de areia.
A estiagem prolongada que atinge o Amazonas deixa diversas comunidades vulneráveis. De conciliação com boletim do governo estadual, divulgado no domingo (22), 59 dos 62 municípios amazonenses estão em situação de emergência e 158 milénio famílias foram afetadas.
O cenário coincide com o momento em que se intensifica o fenômeno El Niño, caracterizado pelo prostração dos ventos alísios (que sopram de leste para oeste) e pelo aquecimento irregular das águas superficiais da porção leste da região equatorial do Oceano Pacífico. Essas mudanças na interação entre a superfície oceânica e a baixa atmosfera ocorrem em intervalos de tempo que variam entre três e sete anos e têm consequências no tempo e no clima em diferentes partes do planeta. Isso porque a dinâmica das massas de ar no Oceano Pacífico adota novos padrões de transporte de umidade, afetando a temperatura e a distribuição das chuvas.
Para o geógrafo Marcos Freitas, pesquisador da Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ), só o El Niño não explica a situação do Rio Preto. Para ele, há indícios de que a estiagem no Amazonas está relacionada com o aquecimento global do planeta. Isso porque as chuvas na região do Rio Preto são formadas sobretudo pelos deslocamentos de massas de ar provenientes não do Oceano Pacífico, mas do Atlântico.
Técnico em recursos hídricos, Marcos Freitas é coordenador executivo do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), vinculado à UFRJ. Desde 2008, também é integrante do Quadro Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), organização criada em 1988 no contexto da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em 2010, quando o Rio Preto enfrentou outra seca severa, o pesquisador coordenou um estudo para estimar a situação. Na era, o rio registrou nível de 13,63 metros, o menor da sua história até ser superado na estiagem deste ano. Com a experiência de quem analisou de forma aprofundada a situação de 13 anos detrás, Marcos Freitas conversou com a Dependência Brasil e avaliou o cenário atual.
O progresso do El Niño pode explicar a seca do Rio Preto ou é provável associá-la também ao aquecimento global?
Quando estudei a seca de 2010, mapeei o aquecimento do Oceano Atlântico, do Oceano Pacífico e também me debrucei sobre as mudanças no uso do solo com o desmatamento. Naquele ano, as águas do Atlântico tiveram aumento médio de temperatura mais acentuado. Mas o supremo que havia de meandro de temperatura era de 1 a 1,5 proporção. Talvez com qualquer repique a 2 graus. Nesse ano, temos um repique no Oceano Atlântico de 4 graus, no hemisfério setentrião. Já o El Niño tem provocado um repique de 2 graus no Oceano Pacífico, e ainda não é o auge, que será mais próximo de dezembro. O que a gente observa é que o clima, na região do Rio Preto, sofre poderoso influência das massas de ar que vêm do Oceano Atlântico. Logo, é provável correlacionar sim essa seca com as mudanças climáticas. Estamos notando um repique muito poderoso no Oceano Atlântico.
Sem chuvas, os incêndios florestais podem aumentar?
O período de queimadas tende a se temporizar, com bolhas de calor tanto no Pacífico quanto no Atlântico impedindo a ingresso de umidade. Essas bolhas de calor geram evaporação poderoso e fazem com que as chuvas caiam mais para dentro dos oceanos e menos dentro do continente. Alimenta, por exemplo, uma temporada de furacão que atinge a costa dos Estados Unidos. Há alguma ressarcimento com chuvas a montante no Peru, provocadas pelo El Niño, que podem repercutir na bacia do Rio Madeira. Mas boa segmento da chuva que cai na Amazônia vem do Atlântico. As massas de ar que vem do Atlântico são barradas pela Serrania dos Andes, fazendo chover sobre a Amazônia. Sem essas chuvas, há um efeito muito nefasto na Amazônia, principalmente na porção mais próxima ao Rio Preto. Os efeitos do El Niño são sentidos mais no Peru, na Bolívia e nas fronteiras desses países com o Brasil.
Podemos declarar que os incêndios florestais também influenciam no clima?
Sim. É uma via de mão dupla. O clima mais sequioso favorece o desmatamento. E o desmatamento também estimula esse clima mais sequioso. Quando vai se aproximando o verão amazônico, as chuvas vão diminuindo. Isso acontece a partir de maio. E o pico é agosto, setembro. São os meses mais secos. E é nessa era que aumenta o desmatamento. Se o período sequioso se alonga, a Amazônia fica mais vulnerável às queimadas. Com a falta de chuva, a madeira das árvores vai perdendo umidade. Aliás, as chuvas na Amazônia também são resultado da evapotranspiração das vegetação que estão ali. Árvores, principalmente. Com a remoção dessas vegetação pelas queimadas, há um efeito de redução de chuvas.
Já existem estudos e modelos climáticos que simulam os impactos que o aquecimento global pode provocar especificamente na Amazônia?
Vários dos modelos consideram a célula amazônica já há qualquer tempo. No início, havia muita incerteza e agora há maior precisão. Se a gente conseguir reduzir bruscamente a nossa taxa de desmatamento e estimular o retorno de vegetação na superfície que foi desmatada, podemos ter um efeito positivo de adaptação, recuperando alguma umidade. Se continuar a aumentar a taxa, teremos uma ação contínua de redução de umidade. Logo, do ponto de vista das populações, você tem que separar aquelas que estão nas grandes cidades daquelas que estão nas áreas isoladas. Muitas comunidades ribeirinhas, por exemplo, não têm vigor elétrica por fio. Há geradores que precisam de combustível. Com os rios secos e o transporte por embarcação inoperante, pode ter desabastecimento de combustível. E sem vigor elétrica, a preservação de vitualhas é afetada, muito porquê a qualidade de vida das comunidades. Logo, seria preciso se precaver para maior aumento do isolamento: concordar o uso de vigor renovável no interno, estimular a conservação de vitualhas e outras medidas que permitam às populações galgar esses períodos mais difíceis.
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