A morte de Jeferson Araújo, de 30 anos, e sua filha Ester Amorim, de 8, vítimas de um deslizamento de terra ocorrido no bairro Redenção, Zona Centro-Oeste de Manaus, durante o último domingo (19), retrata a dura realidade de mais de 56% da população da capital amazonense, que vive em áreas ocupadas de forma desordenada.
De acordo com as autoridades, uma ligação irregular de água e a forte chuva que atingiu a cidade no dia anterior foram fatores que contribuíram para a tragédia, que não é um fato isolado. O mapeamento feito pela Defesa Civil da capital revelou que, atualmente, Manaus possui 1,6 mil áreas consideradas de risco.
Grande parte deste número está concentrado nas Zonas Norte, Leste e Centro-Oeste da cidade, conforme monitoramento do Estado.
Impotência
A dona de casa Simei Sousa perdeu a residência da família em um deslizamento de terra ocorrido no último dia 12, no bairro Mauazinho, Zona Leste de Manaus. O local estava isolado desde 2024.
Ao EM TEMPO, ela relatou que o sentimento de ver o esforço de seus pais desabando em questão de segundos, foi traumatizante.
“Impotência, muita tristeza, só sabe o valor das coisas quem luta pra ter, só Deus sabe o quanto foi difícil levantar aquela casa, a luta diária do meu pai pra ter como colocar comida pra dentro de casa e ainda construir uma casa daquela. Era uma casa bem grande. Quando ele construiu, eram 4 quartos em cima, 1 banheiro, sala e o passeio na frente, e em baixo uma cozinha do jeito que minha mãe sempre sonhou, bem grande e com banheiro”, contou a dona de casa.
Na percepção de Simei, o local não era área de risco, mas acabou se tornando devido ao desgaste do solo, com a presença de uma tubulação.
“Eu não sei te dizer ao certo porque, eu não sei o que é ser considerado em área de risco, porque eles [autoridades] chegam, falam uma coisa, mas quando a casa estava construída, quando eu vim morar, a casa já estava construída. No caso, só de residência, a gente tinha 30 anos. Então, assim, eu acho que, se foi construída na beira do barranco, já era pra ter caído há muito tempo. Na minha percepção, no meu ponto de vista, não era área de risco, se tornou área de risco. […] Eu sempre achei que aquela tubulação lá ia nos causar algum problema, mas nunca imaginei que iria chegar a esse ponto”, disse a moradora.
No balanço divulgado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Manaus foi a cidade com o maior número de alertas emitidos pelo órgão em 2024, com 50 ocorrências.
Medo
Ainda no bairro do Mauazinho, a rotina da moradora Jomara Vales é cercada de medo, já que, atualmente ela reside em área considerada de risco.
“O que me impede de sair do local é que a nossa casa é grande e a família é grande, mas ela [a casa] não chegou a ser 100% de risco, mas as casas que estão atrás da minha casa, ela está com mais de 100% em risco”, revelou.
Conforme relato de Jomara, ela já procurou as autoridades para tratar sobre o local e está alertando os demais moradores sobre os riscos de permanecer na área.
“Estou mobilizando tudo isso para que as pessoas não fiquem na área de risco, algumas já saíram das suas casas, estamos aguardando só a medição da Seminf. Já caiu uma, a outra está pela metade e as demais estão caindo por causa da tubulação de esgoto”, destacou.
‘Então morra’
Há anos, o sentimento de invisibilidade em Manaus é uma realidade para muitas famílias em situação de vulnerabilidade. Um dos episódios que retratam este cenário ocorreu em 2011, quando o então Prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, discutiu com uma moradora que residia em área de risco, e em certo momento ele disse para a mulher: “Então morra”.
Na ocasião, o prefeito havia ido ao local ver a situação do deslizamento de terra na comunidade Santa Marta, Zona Norte de Manaus, e também anunciar medidas, mas a discussão com uma mulher que havia perdido a casa acabou chamando atenção.
Ao dizer que a população deveria ajudar a prefeitura e não deveria construir casas em locais de risco, a moradora afirmou que só morava ali, pois não conseguiam construir moradias dignas em outros lugares. Na sequência, Amazonino solta a frase que ficou conhecida regionalmente: “Minha filha, então morra, morra”.
A autoridade municipal ainda questionou a origem da mulher, e quando ela contou que veio do Pará, ele disse: “Então pronto, está explicado”.
Anos depois, a prefeitura ainda enfrenta o desafio de ampliar a estrutura habitacional na capital amazonense, diante do crescimento populacional desordenado.
Segundo o Censo 2022, Manaus tem quarta maior favela do país. O bairro Cidade de Deus, na Zona Norte de Manaus, possui mais de 55 mil moradores. No Top 20, a capital amazonense tem seis representantes, todos nas Zonas Leste e Norte.
Dignidade habitacional
Para dar mais dignidade às famílias da capital amazonense, o Prefeito de Manaus, David Almeida, visitou nesta semana, as obras do conjunto habitacional localizado no Parque das Tribos, no Tarumã, Zona Oeste da cidade. O projeto faz parte do programa “Minha Casa, Minha Vida”.
O projeto prevê a construção de seis condomínios habitacionais, somando, aproximadamente, 5 mil unidades residenciais no Parque das Tribos. Essa iniciativa é fruto de uma parceria entre a Prefeitura e o governo federal, com um investimento total de R$ 900 milhões, sendo R$ 800 milhões destinados pelo governo federal para a construção das moradias e R$ 100 milhões pela prefeitura para a aquisição dos terrenos. A previsão de entrega da primeira etapa, com 576 unidades, é para maio de 2025.
“Manaus foi ocupada de forma desordenada nos últimos 30 anos. Esse problema não se resolve do dia para a noite. Mas nós estamos avançando. Criamos habitacionais como este para retirar as pessoas das áreas de risco. Das 4,5 mil unidades do PAC Moradia, 1.067 serão destinadas para famílias em situação de calamidade. Além disso, estamos concluindo a desapropriação do terreno do Monte Orebi, onde construiremos mais um bairro planejado com 3.600 lotes urbanizados, trazendo dignidade para essas pessoas”, relatou o prefeito.
Cerca de 3.680 famílias enquadradas na Faixa 1, com renda mensal de até R$ 2.640, serão beneficiadas, além de 1.056 famílias que vivem em condições de calamidade. A participação no programa exige que o cidadão esteja cadastrado e com dados atualizados no Sistema Municipal de Habitação (Simhab).
Desde 2021, a prefeitura recuperou 32 grandes áreas de voçorocas (erosões) e iniciou a licitação de outras 13, com um investimento de R$ 67 milhões.
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