Manaus (AM) – Após 131 dias seguidos de constante descida do Rio Negro, em Manaus, o primeiro sinal de elevação do nível das águas foi registrado no último dia 30 de outubro. De acordo com a Defesa Civil do Amazonas, o pico da estiagem de 2023 ocorreu na sexta-feira (27), onde a cota mínima estava em 12,70 metros. Até a quarta-feira (1º), a medição apontou que o Negro atingiu 13,02 metros.
A mudança de comportamento na região já era esperada por especialistas, considerando a presença de chuvas em algumas calhas que alimentam os rios no Estado. Porém, segundo profissionais, é preciso ter cautela em afirmar que o processo de seca se encerrou totalmente, como explica a pesquisadora em Geociências do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), Jussara Cury.
“Nos últimos dias, o Rio Negro em Manaus apresentou subidas inicialmente na ordem de 5 cm, 7cm e no registro mais recente 8 cm, essa subida seria o resultado do processo de recuperação do Solimões e Negro que ocorre há duas semanas. Isso pode indicar o final da vazante na região? Ainda não, essa fase agora seria de estabilidade dos níveis que estão muito baixos, podem apresentar oscilações e sua recuperação depende da permanência das subidas nas regiões do Alto Solimões e Alto Rio Negro, e do retorno do período de chuvas na bacia como todo”,
apontou a pesquisadora.
O geólogo da Defesa Civil do Amazonas, Igor Jacaúna, definiu o atual momento como um processo de transição, já que das nove calhas dos rios no Amazonas, cinco estão em processo de enchente e quatro em final de vazante.
“O cenário hidrológico do nosso Estado se encontra em um período que chamamos de transição. É o final do período da vazante para o início do período de enchente. Normalmente, nesse período é comum observar variações do nível do rio. Pode ser que em alguns dias esses níveis subam constantemente e em alguns outros dias ele pode descer também e ter essa variação, mas tendo a tendência ao processo de enchente”,
comenta Jacaúna.
Aos poucos, os níveis dos rios recuperam-se de acordo com o volume de chuvas que caem nas calhas alimentadoras. Diante de uma seca severa, uma dúvida surge a respeito do processo de enchente: com uma estiagem que quebrou recordes históricos neste ano, podemos esperar uma cheia também histórica em 2024?
Previsões para o futuro
O ano de 2009 foi um dos mais emblemáticos e sofridos para o povo amazonense, já que no ano em questão houve uma grande cheia, seguido de uma grande seca que impactou diretamente o estilo de vida dos cidadãos.
Atingindo a marca de 29,77 metros, o Rio Negro registrou umas das maiores cheias da região, quebrando o recorde de 100 anos, até então. Entre os efeitos do fenômeno, 11 bairros da capital amazonense sofreram com os alagamentos, atingindo mais de 4 mil famílias. Por conta do volume das águas, pontos turísticos de Manaus também foram inundados, como o Relógio Municipal, o prédio da Alfândega, a Feira Manaus Moderna e a praia da Ponta Negra. Algumas vias principais da cidade, como as avenidas Eduardo Ribeiro e Sete de Setembro, no Centro, precisaram ser interditadas.
Meses depois, o Rio Negro registrou uma das 30 maiores vazantes, até aquele momento, conforme informações do superintendente do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) no Amazonas, Marco Antônio Oliveira.
Semelhante ao ano de 2023, em 2009, o Amazonas também sofreu com as queimadas em áreas de mata. Em setembro do ano em destaque, o Corpo de Bombeiros havia combatido 156 incêndios em áreas florestais (particulares e públicas), contra 22 no mesmo período de 2008. De janeiro a agosto, foram 443 incêndios contra 226 do mesmo período do ano anterior.
Após uma grande cheia, seguida de uma grande seca, o ano de 2010 foi marcado por uma estiagem ainda mais severa, sendo considerada a pior desde o início do registro do nível do rio, recorde quebrado este ano.
O Rio Negro, no ano de 2010, atingiu o nível crítico de 13,63 metros, considerada a maior seca do século – recorde quebrado em 2023 –. Até o dia 22 de outubro daquele ano, 62 mil famílias foram atingidas pela estiagem e 38 municípios decretaram situação de emergência.
Questionada se em 2024 teremos novos recordes históricos, assim como aconteceu em 2009 e 2010, Jussara Cury explica que o fenômeno ocorreu pela presença do El Niño na região, sendo assim, os rios não tiveram tempo suficiente para recuperar seus níveis.
“Em 2009, tivemos uma grande cheia e no mesmo ano uma grande vazante, e no ano seguinte uma vazante mais forte ainda, isso ocorreu em razão da permanência do El Niño nesses dois anos; a bacia do Amazonas teve pouco tempo para se recuperar da primeira estiagem impulsionada pelo fenômeno climático. As cheias e estiagens são processos naturais da bacia e os eventos extremos estão relacionados aos fenômenos climáticos, na maioria dos casos registrados em anos de El Niño, as precipitações ficam muito abaixo da média, podendo prolongar o processo da estiagem”,
relacionou a pesquisadora do SGB.
Quebrando todos os recordes, a seca de 2023 comprometeu o dia a dia da população, impedindo o translado entre os municípios e atividades básicas. A recuperação do nível das águas é aguardada por todos os amazonenses que sofreram diretamente com a vazante deste ano.
Impactos nos municípios
O Boletim da Estiagem 2023, divulgado pelo Governo do Amazonas, por meio do Comitê de Intersetorial de Enfrentamento à Situação de Emergência Ambiental, na quinta-feira (2), colocou todos os 62 municípios amazonenses em situação de emergência. Segundo dados da Defesa Civil, o Amazonas tem 598 mil pessoas afetadas pela seca severa, ou 150 mil famílias.
Por conta da seca, na última semana, uma mulher grávida precisou ser resgatada de helicóptero em uma comunidade que está com acesso restrito devido à decida dos rios. O resgate ocorreu na comunidade Santa Isabel. A região é considerada uma área de difícil acesso por causa da falta de transporte fluvial.
O coordenador do Departamento Integrado de Operações Aéreas (DIOA), delegado Rafael Montenegro, afirmou que a SSP-AM foi acionada para fazer o resgate, que durou cerca de uma hora. Um helicóptero foi usado na operação. O mesmo percurso para chegar à comunidade por via fluvial demora, em média, 4 horas. No momento, não é possível realizar o resgate com ambulancha.
“O DIOA foi acionado pelo Samu para resgatar uma jovem que está grávida na comunidade Santa Isabel. Por conta das secas dos rios e a falta de acesso ao local, o helicóptero foi acionado para fazer o resgate dessa jovem. O percurso que geralmente de ambulancha demora de 3 a 4 horas, no helicóptero demorou 30 minutos para ir e o mesmo período para voltar”,
frisou Montenegro.
A educação também foi um dos setores afetados pela grande seca. Segundo dados da Secretaria de Educação do Amazonas (Seduc-AM), mais de 5,5 mil alunos em comunidades ribeirinhas foram impactados pela vazante dos rios. O acesso até às escolas, geralmente feito por embarcações, fica impossibilitado pelo baixo nível das águas e os estudantes precisam enfrentar longos percursos, passando por barrancos íngremes, para assistirem às aulas. Somado às altas temperaturas comuns nesse período do ano, comparecer às aulas escola se torna um grande desafio para os estudantes.
A estiagem também afeta as atividades em nove Núcleos de Inovação e Educação para Desenvolvimento Sustentável (Nieds) da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), que atendem cerca de 850 crianças e adolescentes em mais de 100 comunidades sitiadas em Unidades de Conservação (UCs) do Amazonas.
Já no setor industrial, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindmetal-AM), Valdemir Santana, informou que aproximadamente 15 mil trabalhadores entrarão em férias coletivas por conta da forte seca que atinge do Amazonas. Estatísticas apontam que aproximadamente 35 empresas do Polo Industrial de Manaus (PIM), irão aderir à medida. Conforme especialista, a medida pode preservar empregos, mas deve impactar a economia amazonense.
Um levantamento feito pela ONG WWF-Brasil, divulgado na segunda-feira (30), revelou que o número de botos mortos nos lagos de Tefé e Coari subiu para 178. Desde o dia 23 de setembro, foi identificado um evento incomum de mortalidade de botos e tucuxis na região do Lago Tefé, no Médio Solimões. Todas as mortes aconteceram no interior do Amazonas.
A seca e a temperatura da água chegou a 39,1°C às 16h, no dia 28 de setembro, quando 70 botos morreram. Uma operação, com participação de diversos órgãos, foi montada para socorrer os animais ainda vivos.
Para evitar mais mortes de botos em trechos de águas mais quentes do Lago Tefé, os pesquisadores montaram uma espécie de cordão para isolar esses trechos e conduzir os botos para áreas mais profundas do lago, onde a temperatura é mais baixa.
O fenômeno das ‘’terras caídas’’ também se fez presente em vários municípios do Amazonas. No último dia 16, um deslizamento de terra provocou pânico entre os moradores no município de Manicoré. A queda de terra foi registrado em parte do porto de Manicoré, afetado ainda uma rua na orla da cidade.
No dia 11 de outubro, houve queda da parte de um barranco, em Manacapuru, no porto conhecido como “Terra Preta”. Um homem, numa embarcação, se jogou no rio por conta do deslizamento, mas se afogou e o cadáver da vítima foi encontrado um dia depois.
Já no dia 30 de setembro, um deslizamento de barranco de terra na margem do rio Purus, na comunidade do Arumã, no município de Beruri, resultou na morte de uma pessoa e deixou desaparecidos.
O último caso registrado aconteceu na última segunda-feira (23), onde quatro casas foram arrastadas por um deslizamento de terra na comunidade São Francisco Xavier, no lago das Piranhas, em Barreirinha. Segundo testemunhas, algumas famílias estavam dentro de casa quando o barranco começou a ceder, mas todos conseguiram sair a tempo, antes do deslizamento de terra. Não houve vítimas fatais, apenas danos materiais.
Até o Arquipélago de Anavilhanas, nas proximidades da Comunidade do Jaraqui, em Novo Airão, sofreu com o fenômeno, onde aproximadamente 700 metros de barrancos derrubaram árvores, tapando parte do canal da localidade, de acordo com os moradores.
Ao falar sobre o desequilíbrio ambiental na região, o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Rogério Marinho, disse em entrevista ao Em Tempo, que o evento é mais comum em rios de águas brancas, não é tão comum nas margens do Rio Negro, muito menos comum dentro das ilhas do Arquipélago de Anavilhanas.
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